sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Quando a medicina adentra a tenda vermelha - parte 2

Eu estava indo para o mesmo hospital no qual minha filha nascera há quatro anos por uma cesárea totalmente desnecessária, e apesar desta coincidência, a situação não se repetia. Eu era outra mulher, muito mais consciente e informada do que aquela de quatro anos atrás. Eu sabia o que estava fazendo, sabia para ‘onde’ estava indo e o que me esperava lá!

Chegamos ao pronto socorro do Hospital Santa Cruz e eu estava na fase de expulsivo já havia três horas! As contrações de puxo vinham com frequência e a única coisa que me aliviava era seguir o fluxo da força. Assim que entramos no pronto socorro veio uma contração e eu segui fazendo a força, o som, agachando, enfim, tudo aquilo que vinha fazendo em casa para lidar com todas aquelas sensações. Mas de relance eu olhei para a recepção do hospital e todos me observavam. Não sei exatamente com cara de que me olhavam porque imediatamente, ao me perceber sendo observada, eu pensei “entra na bolha”.

A “bolha” é uma imagem que usamos para explicar para as mulheres como elas podem evitar que as interferências do ambiente hospitalar afetem seu processo de parto. Entrar na bolha, se concentrar em si mesma e deixar o resto pra lá. Ali era eu tendo que fazer o que tantas vezes expliquei!

Então no final de um corredor, na parte da obstetrícia, apareceu o Dr. Álvaro e fez sinal para irmos até ele. Nooooooossa, eu nem acreditava que estava vendo aquele homem. Confesso que me deu um alívio. Eu não teria que ficar dando explicações, me justificando ou me defendendo. Ele sabia de tudo e apoiava minhas escolhas. Ele não me trataria como louca, irresponsável, egoísta ou qualquer coisa neste sentido.

Ao vê-lo eu lembrei da nossa primeira consulta de pré-natal. Eu já estava com seis meses, e foi quando decidi que gostaria que ele fosse o médico a me dar suporte se eu precisasse. Então em seu consultório, após conversarmos, ele falou assim “eu posso sim ser seu médico, mas é preciso que você saiba que se você precisar de mim as coisas já não estarão tão naturais”. Não me lembro exatamente das palavras, mas a mensagem era “eu vou precisar intervir”. Sim, ok! Mas eu sabia que ele faria isso com respeito e aqui eu quero fazer uma pausa no meu relato para contar como eu decidi que o Álvaro seria meu médico.

Durante minha caminhada como doula eu consegui um estágio voluntário em uma maternidade pública aqui de Curitiba, a Maternidade Vitor Ferreira do Amaral. Foi apenas uma semana, mas uma semana em que eu vi muita coisa e uma das coisas mais lindas que eu vi, foi o Dr. Álvaro atendendo ao parto de uma menina de catorze anos. Naquele dia havia muitas mulheres em trabalho de parto. Todas as camas estavam ocupadas e aquela menina estava com sua mãe. Ela passou seu trabalhando de parto inteiro segurando na mão da mãe, chorando bem baixinho, parecia um bichinho acuado. Ela dizia para a mãe dela que iria morrer, que doía de mais. Então esta menina, que estava vivendo este rito de passagem que é o parto, estava com o bebê coroando e o Álvaro veio atendê-la. Aí ela começou a gritar – TOTALMENTE NORMAL! Ela tinha apenas catorze anos e sua vida iria mudar radicalmente a partir daquele momento. Então uma outra médica que também atendia naquele dia e que estava fazendo uma sutura no leito ao lado, se levantou e veio até a menina dizendo para ela não gritar daquela forma pois isso não ajudaria o bebê. O Álvaro gentilmente disse à médica que se concentrasse na sua paciente, que ele estava cuidando da menina e a “autorizou” a gritar se assim quisesse. EU ACHEI AQUILO O MÁXIMO! E então o parto aconteceu, com muito respeito, muita delicadeza, bem suave, e aquela menina se tornou mãe através de um momento tão bonito. Depois eu fui vê-la na sala de recuperação, e ela estava radiante! Sentada na maca, dando de mama para seu bebezinho. Ela era só sorriso! Eu perguntei o que ela havia achado do parto, e ela, que não parecei mais uma menininha, disse que havia sido ótimo, e que o doutor foi maravilhoso. Então ali eu percebi que aquele médico não tinha apenas o conhecimento e o domínio das técnicas da obstetrícia (o que deveria ser básico para todos os profissionais, mas não é), ele também tinha respeito pela mulher e pelo bebê que estavam diante dele. Aquele nascimento me marcou muito. "Dr. Álvaro, você fez muita diferença na vida daquela menina/mãe, na minha vida e tenho certeza que na de tantas outras mulheres!"

Voltando ao meu parto...
Não tenho fotos de quando fui para o hospital.
Usei o cartaz do filme pois todo parto bem vivido
 é um renascimento, e eu tive esta graça! 



Enfim, me sentir acolhida e respeitada pelo médico que me atendia foi muito, muito bom. Eu não estava preocupada com nada, confiava em todos que estavam comigo. Eu podia só me concentrar no meu parto e isso foi fundamental.  

Lembro de ver a Adelita conversando com o Álvaro, passando as informações para ele enquanto meu marido ficava comigo e minha mãe cuidava da internação.  Então o Álvaro me examinou ainda no PA e o Lucas teve mais uma desaceleração dos batimentos. Quando ele finalizou o exame disse para a enfermeira que já podia subir comigo para a sala de parto e que ele iria avisar o anestesista.

“Anestesista? Como assim? Mas eu não quero tomar anestesia....” Não lembro exatamente as palavras que usei, mas o fato é que quando eu fui para o hospital eu não pensei em anestesia.... Eu não queria anestesia, eu queria sentir meu filho nascer, não queria estar anestesiada!

Então o Álvaro me olhou, sem grande alteração ou surpresa e disse: “eu preciso que você esteja relaxada porque vou precisar manipular a região”.

Ele poderia ter dito várias coisas e de várias maneiras par que eu me sentisse amedrontada, incapaz, assustada, mas ele foi muito assertivo. Deixou a decisão comigo, sem pressionar ou forçar nada, ele simplesmente foi sincero. Aquilo foi ótimo e de fato seria impossível ficar “relaxada”. Eu podia fazer força, caminhar, me mover, respirar, vocalizar, mas ficar deitada em uma cama e relaxar enquanto ele manipulava a “região” (esta palavra eu trocaria, doutor!)  eu não conseguiria.

Confesso que aquele foi o momento mais difícil do meu parto, mais difícil do que ter que ir para o hospital. Acho que por breves segundos eu fiquei pensando e minha ficha foi caindo.... Sim, eu precisava daquela anestesia.

“Tudo bem”, acho que foi o que consegui dizer e então fomos caminhando junto com a enfermeira para o centro obstétrico. A todo o momento eu tinha que me lembrar da bolha. Meu olhar não podia cruzar com o de ninguém que não fosse o Márcio, a Adelita e o Álvaro. Eu não queria ter que me defrontar com a reprovação das pessoas a aquela altura do campeonato, então fiz muita questão de só prestar atenção em mim, nada mais me importava.

Entrar no vestiário, colocar a camisola, ver tantas pessoas, escutar vozes perguntando o que “era aquilo” (no caso, eu parindo!), ir para a sala de parto e esperar pelo anestesista. Pobre anestesista! Eu nem sabia quem ele era e já não gostava dele.... tenho vivências muito ruins com anestesistas enquanto doula, então confesso que estava apreensiva.

Então entra na sala o médico anestesista. Não me lembro do rosto dele, se o ver na rua não o reconheceria, mas ele foi incrivelmente gentil e delicado comigo. Ele não entrou na sala com aquela capa de super-herói que os anestesistas costumam usar e falando a clássica “eu vou te tirar deste sofrimento”! Não, ele não foi assim, chegou inclusive a me elogiar! Ufa! Não precisei me defender e ainda saí valorizada, aquilo foi muito bom!!! Será que eles têm noção da diferença que podem fazer em nossa história?

Bem, no momento da anestesia os “acompanhantes da parturiente” precisam sair da sala. Eu já sabia disso e OK. São breves minutos, mas ficar sem uma referência, sem um rosto amigo, sem um olhar acolhedor naquele momento, mesmo que por um minuto é terrível. Foi muito, muito, muito, muito ruim não poder segurar nas mãos que me sustentavam já há quinze horas. Justamente naquele momento, que estava sendo o mais difícil para mim, eu não tinha meus apoios, eu estava sozinha. Lembro que a sala estava cheia de gente, gente que eu nunca vi na vida e ninguém conseguia ser acolhedor.  Isso de fato é horrível. A gente explica nos cursos de casais mas ali, de novo, era eu vivendo  a influência do ambiente no processo de parto. Que lástima termos que nos contentar com uma estrutura tão precária em relação ao que nós precisamos além das máquinas.

Enfim, aquilo não seria suficiente para me abalar e se era aquilo que eu tinha, paciência. Uma enfermeira ficava pra lá e pra cá em cima de mim, de um braço para o outro, falando que eu não podia me mexer, que..... Então veio uma contração e eu catei ela, segurei bem forte em seus ombros, olhei bem firme e comecei a fazer os sons que uma mulher com puxo, sentada, sem poder se mexer, faz.  Acho que a cena deveria estar hilária! A mulher deve ter ficado desorientada. Eu olhava para ela e não encontrava nada, mas precisava olhar para alguém. Ela ficou em silêncio (o que foi ótimo!) e esperou a contração passar...... kkkkkkk!

Em nenhum momento eu senti medo, nem mesmo fiquei nervosa ou angustiada. Aquele cenário era conhecido para mim e eu não estava esperando mais, aliás o anestesista já havia me surpreendido positivamente e eu já estava super feliz, me considerando no lucro! Então ele falou “pronto, agora você vai começar a sentir que vai aliviar”.

Uaaauuuu!!! Realmente aliviou!!!! Meu povo entrou na sala (Márico, Adelita e Álvaro) e a galera foi saindo. Ai que bom! Sentir um pouco de alívio nas dores não foi ruim, mas o parto tinha perdido seu sabor. Eu não sei explicar, mas o parto havia deixado meu corpo. Agora eu sabia o que tinha que fazer, mas não sentia tudo aquilo que ..... nossa, não tem como explicar! Acho que é como você estar transando bem gostoso e de repente alguém entra e acende a luz, ou seja: “ACABOU A FESTA”!

Sei que muitas mulheres estão torcendo o nariz e muito médicos ficarão ofendidos com esta minha colocação, mas para mim foi assim. E a festa dos meus hormônios em meu corpo de fato tinha acabado! Sou muito grata ao anestesista que me atendeu e aos médicos que descobriram este recurso, eu precisei e usei, mas que tira o sabor do parto tira, OK!

O Álvaro nos deixou um pouco sozinhos na sala para ver se o bebê girava sozinho agora que minha “região” estava relaxada. A Adelita e o Márcio me ajudaram o tempo todo e por isso eu conseguia acocorar, ajoelhar, ficar de quatro..... não paramos! Eu me movimentei o tempo todo. Não sei quanto tempo se passou e o Álvaro veio para examinar, o bebê estava na mesma posição, não havia girado nada, mas estava bem, não tinha mais feito desacelerações. Então ele decidiu ajudar com uma manobra com os dedos e durante as contrações eu fazia bastante força e ele tentava girar a cabecinha do bebê. Tentou, tentou e nada.... bebezinho na mesma posição. Batimentos bem, eu bem, então ele saiu da sala de novo para nos deixar mais um pouco e nós continuamos o “trabalho”.

As enfermeiras não ficavam entrando na sala e isso foi muito bom! Pudemos ficar ali à vontade, seguindo o ritmo das contrações e esperando para ver se o Lucas girava para nascer. Hoje vejo o quanto foi importante para mim ficar aquele tempo ali antes de qualquer intervenção mais invasiva. Confesso que quando fui para o hospital achei que já ia chegar e o médico usaria o fórceps e vamos logo acabar com isso! Mas o Álvaro foi paciente e isso foi muito importante para eu ir assimilando o que estava acontecendo. Fomos progressivamente usando os recursos que tínhamos e eu tive tempo de ir entendendo tudo. Não falo de um entendimento racional, mas sim de uma vivência do corpo. “Doutor Álvaro, mais uma vez você foi muito assertivo!”

O tempo foi passando e eu não tinha a menor noção dele, mas em dado momento meu marido começou a ficar angustiado. Parecia que as coisas não saíam do lugar e ele começou a ficar nervoso, querendo que a Adelita chamasse o Álvaro logo. Lembro que eu falei ‘calma amor, se o Álvaro nos deixou aqui é porque isso é o melhor para o bebê. Quanto mais tempo pudermos esperar melhor para o Lucas tentar nascer sem maiores intervenções’. Só mesmo anestesiada para conseguir ter esta postura de doula, kkkkkkk.

O fato é que o efeito da anestesia começou a passar e o quadro não havia mudado em nada desde que entramos no hospital. O Lucas não estava respondendo aos meus movimentos de quadril nem às manobras manuais do médico. Era hora de começar a intervir um pouco mais. A decisão foi usar o vácuo extrator para o bebê girar, assim não precisaríamos do fórceps.

Precisei que o anestesista me desse uma nova dose pois o efeito da anestesia já estava passando. E o MONTE DE GENTE começou a entrar de novo. Eu não lembro bem, mas a sensação que eu tinha era de que a sala estava lotada, tinha muitas pessoas de máscara e touca que eu não conhecia e não sabia para que estavam ali, aquilo é muito invasivo, é constrangedor! “A BOLHA INÊS, VAI PARA BOLHA!” É mesmo! Agora, na minha bolha estávamos eu, o Márcio, a Adelita e o Álvaro.

Agora estava muito perto do meu filho nascer, e eu já queria muito conhece-lo. Falei para o Álvaro, na verdade só para lembrar, que eu não queria episio (óbvio! E quem não sabe o que é isso procura no google: episiotomia). E ele respondeu, “eu não vou fazer”! Então ele posicionou o vácuo e quando vinha uma contração de puxo eu aproveitava para fazer muita força e ele puxava com o vácuo. Eu não sentia dor alguma, mas sentia todo o meu corpo escorregar para frente na cama. O puxo do vácuo é muito forte e eu me deslocava por completo. Quando a contração terminava parávamos tudo e esperávamos a próxima. Fizemos isso várias vezes, segundo a Adelita foram oito tentativas. A contração vinha, eu ajudava fazendo bastante força e o Álvaro puxava, mas o Lucas não respondia à manobra, ele não girava.

Uma leve tensão parecia começar entrar na minha bolha. Por que ele não girava? Aquilo era muito forte, todo meu corpo se deslocava e ele não respondia..... “Por que ele não gira, por que ele não nasce?”, eu pensei e então senti um tofe. “Nossa, será que é a cabecinha dele?”, mas foi muito estranho e ninguém estava com cara de bebezinho nascendo.... Então perguntei para a Adelita “ele está nascendo?”. “Não”, ela disse, “foi só porque o vácuo escapou da mão do Álvaro”.

“O que???? Como assim???” A cara dela não estava tão tranquila e o Márcio estava chorando. O Álvaro não me olhava. O que estava acontecendo? “Filho, cadê você???? Vem meu amor, vem!!!”  A tensão entrou na bolha e pela primeira vez eu senti medo.” Que droga que esse bebê não gira”, eu pensei.

Então eu vejo a enfermeira entregar o fórceps para o Álvaro e ele fala assim “eu vou fazer uma epsio”. “Tá bom”, saiu da minha boca e tá bom mesmo, eu quero meu filho, porque ele não vem logo? Meu Deus, o que está acontecendo??? Eu comecei a pedir ajuda e amparo para Deus, que ajudasse meu bebê a nascer, que iluminasse o médico que nos assistia.

E então foi muito rápido depois que ele usou o fórceps. Com uma contração saiu a cabeça, lembro do Márcio dizer “Aí amor, aí, ele está nascendo” e na segunda contração ele veio todinho.

UAUUUUUUUUUUUUUUUU, eu vi o Álvaro pegando ele, “como é grande” eu pensei!!!!

Meu bebezão, meu filho, meu amor!


Ainda tem muitas emoções e revelações!
Continuamos na PARTE 3.

4 comentários:

  1. Eu corri aqui, no meio do meu expediente, louuuuuca pra ler a continuação ! Ai Ines, obrigada por achar um tempo pra dividir isso conosco. Que lindo ! Que força ! Inveja me define ! hahahahaha
    E que obstetra né ! Esse realmente merece esse título.
    Acha um tempinho pra terminar e eu paro de te perseguir por e-mail ! hahahaha
    Obrigada ! Obrigada !

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  2. q lindo compartilhar conosco! foi exatamente como o parto do Taiguara, te conto ao vivo qquer dia! saudades da familia toda e precisamos conhecer o Lucas! vamos combinar! gde ab e Deus os ab!

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  3. Seu filho realmente precisava muito de ajuda. Que bom que a medicina existe. pelo bem ou pelo mal, ela existe. E isso salvou seu filho.

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