Eu estava indo para o mesmo hospital no qual minha filha
nascera há quatro anos por uma cesárea totalmente desnecessária, e apesar desta
coincidência, a situação não se repetia. Eu era outra mulher, muito mais
consciente e informada do que aquela de quatro anos atrás. Eu sabia o que
estava fazendo, sabia para ‘onde’ estava indo e o que me esperava lá!
Chegamos ao pronto socorro do Hospital Santa Cruz e eu
estava na fase de expulsivo já havia três horas! As contrações de puxo vinham
com frequência e a única coisa que me aliviava era seguir o fluxo da força. Assim
que entramos no pronto socorro veio uma contração e eu segui fazendo a força, o
som, agachando, enfim, tudo aquilo que vinha fazendo em casa para lidar com
todas aquelas sensações. Mas de relance eu olhei para a recepção do hospital e
todos me observavam. Não sei exatamente com cara de que me olhavam porque
imediatamente, ao me perceber sendo observada, eu pensei “entra na bolha”.
A “bolha” é uma imagem que usamos para explicar para as
mulheres como elas podem evitar que as interferências do ambiente hospitalar
afetem seu processo de parto. Entrar na bolha, se concentrar em si mesma e
deixar o resto pra lá. Ali era eu tendo que fazer o que tantas vezes expliquei!
Então no final de um corredor, na parte da obstetrícia, apareceu
o Dr. Álvaro e fez sinal para irmos até ele. Nooooooossa, eu nem acreditava que
estava vendo aquele homem. Confesso que me deu um alívio. Eu não teria que
ficar dando explicações, me justificando ou me defendendo. Ele sabia de tudo e apoiava
minhas escolhas. Ele não me trataria como louca, irresponsável, egoísta ou
qualquer coisa neste sentido.
Ao vê-lo eu lembrei da nossa primeira consulta de pré-natal.
Eu já estava com seis meses, e foi quando decidi que gostaria que ele fosse o
médico a me dar suporte se eu precisasse. Então em seu consultório, após
conversarmos, ele falou assim “eu posso sim ser seu médico, mas é preciso que
você saiba que se você precisar de mim as coisas já não estarão tão naturais”.
Não me lembro exatamente das palavras, mas a mensagem era “eu vou precisar
intervir”. Sim, ok! Mas eu sabia que ele faria isso com respeito e aqui eu
quero fazer uma pausa no meu relato para contar como eu decidi que o Álvaro
seria meu médico.
Durante minha caminhada como doula eu consegui um estágio
voluntário em uma maternidade pública aqui de Curitiba, a Maternidade Vitor
Ferreira do Amaral. Foi apenas uma semana, mas uma semana em que eu vi muita
coisa e uma das coisas mais lindas que eu vi, foi o Dr. Álvaro atendendo ao
parto de uma menina de catorze anos. Naquele dia havia muitas mulheres em
trabalho de parto. Todas as camas estavam ocupadas e aquela menina estava com
sua mãe. Ela passou seu trabalhando de parto inteiro segurando na mão da mãe, chorando
bem baixinho, parecia um bichinho acuado. Ela dizia para a mãe dela que iria
morrer, que doía de mais. Então esta menina, que estava vivendo este rito de
passagem que é o parto, estava com o bebê coroando e o Álvaro veio atendê-la.
Aí ela começou a gritar – TOTALMENTE NORMAL! Ela tinha apenas catorze anos e
sua vida iria mudar radicalmente a partir daquele momento. Então uma outra
médica que também atendia naquele dia e que estava fazendo uma sutura no leito
ao lado, se levantou e veio até a menina dizendo para ela não gritar daquela
forma pois isso não ajudaria o bebê. O Álvaro gentilmente disse à médica que se
concentrasse na sua paciente, que ele estava cuidando da menina e a “autorizou”
a gritar se assim quisesse. EU ACHEI AQUILO O MÁXIMO! E então o parto
aconteceu, com muito respeito, muita delicadeza, bem suave, e aquela menina se
tornou mãe através de um momento tão bonito. Depois eu fui vê-la na sala de
recuperação, e ela estava radiante! Sentada na maca, dando de mama para seu
bebezinho. Ela era só sorriso! Eu perguntei o que ela havia achado do parto, e
ela, que não parecei mais uma menininha, disse que havia sido ótimo, e que o
doutor foi maravilhoso. Então ali eu percebi que aquele médico não tinha apenas
o conhecimento e o domínio das técnicas da obstetrícia (o que deveria ser
básico para todos os profissionais, mas não é), ele também tinha respeito pela
mulher e pelo bebê que estavam diante dele. Aquele nascimento me marcou muito. "Dr. Álvaro, você fez muita diferença na vida daquela menina/mãe, na minha vida
e tenho certeza que na de tantas outras mulheres!"
Voltando ao meu parto...
Não tenho fotos de quando fui para o hospital. Usei o cartaz do filme pois todo parto bem vivido é um renascimento, e eu tive esta graça! |
Enfim, me sentir acolhida e respeitada pelo médico que me
atendia foi muito, muito bom. Eu não estava preocupada com nada, confiava em
todos que estavam comigo. Eu podia só me concentrar no meu parto e isso foi fundamental.
Lembro de ver a Adelita conversando com o Álvaro, passando as informações para ele enquanto meu marido ficava comigo e minha mãe cuidava da internação. Então o Álvaro me examinou ainda no PA e o Lucas teve mais uma desaceleração dos batimentos. Quando ele finalizou o exame disse para a enfermeira que já podia subir comigo para a sala de parto e que ele iria avisar o anestesista.
Lembro de ver a Adelita conversando com o Álvaro, passando as informações para ele enquanto meu marido ficava comigo e minha mãe cuidava da internação. Então o Álvaro me examinou ainda no PA e o Lucas teve mais uma desaceleração dos batimentos. Quando ele finalizou o exame disse para a enfermeira que já podia subir comigo para a sala de parto e que ele iria avisar o anestesista.
“Anestesista? Como assim? Mas eu não quero tomar anestesia....”
Não lembro exatamente as palavras que usei, mas o fato é que quando eu fui para
o hospital eu não pensei em anestesia.... Eu não queria anestesia, eu queria
sentir meu filho nascer, não queria estar anestesiada!
Então o Álvaro me olhou, sem grande alteração ou surpresa e disse:
“eu preciso que você esteja relaxada porque vou precisar manipular a região”.
Ele poderia ter dito várias coisas e de várias maneiras par
que eu me sentisse amedrontada, incapaz, assustada, mas ele foi muito
assertivo. Deixou a decisão comigo, sem pressionar ou forçar nada, ele
simplesmente foi sincero. Aquilo foi ótimo e de fato seria impossível ficar
“relaxada”. Eu podia fazer força, caminhar, me mover, respirar, vocalizar, mas
ficar deitada em uma cama e relaxar enquanto ele manipulava a “região” (esta
palavra eu trocaria, doutor!) eu não
conseguiria.
Confesso que aquele foi o momento mais difícil do meu parto,
mais difícil do que ter que ir para o hospital. Acho que por breves segundos eu
fiquei pensando e minha ficha foi caindo.... Sim, eu precisava daquela
anestesia.
“Tudo bem”, acho que foi o que consegui dizer e então fomos
caminhando junto com a enfermeira para o centro obstétrico. A todo o momento eu
tinha que me lembrar da bolha. Meu olhar não podia cruzar com o de ninguém que
não fosse o Márcio, a Adelita e o Álvaro. Eu não queria ter que me defrontar
com a reprovação das pessoas a aquela altura do campeonato, então fiz muita
questão de só prestar atenção em mim, nada mais me importava.
Entrar no vestiário, colocar a camisola, ver tantas pessoas,
escutar vozes perguntando o que “era aquilo” (no caso, eu parindo!), ir para a
sala de parto e esperar pelo anestesista. Pobre anestesista! Eu nem sabia quem
ele era e já não gostava dele.... tenho vivências muito ruins com anestesistas enquanto
doula, então confesso que estava apreensiva.
Então entra na sala o médico anestesista. Não me lembro do
rosto dele, se o ver na rua não o reconheceria, mas ele foi incrivelmente
gentil e delicado comigo. Ele não entrou na sala com aquela capa de super-herói
que os anestesistas costumam usar e falando a clássica “eu vou te tirar deste
sofrimento”! Não, ele não foi assim, chegou inclusive a me elogiar! Ufa! Não
precisei me defender e ainda saí valorizada, aquilo foi muito bom!!! Será que
eles têm noção da diferença que podem fazer em nossa história?
Bem, no momento da anestesia os “acompanhantes da
parturiente” precisam sair da sala. Eu já sabia disso e OK. São breves minutos,
mas ficar sem uma referência, sem um rosto amigo, sem um olhar acolhedor
naquele momento, mesmo que por um minuto é terrível. Foi muito, muito, muito,
muito ruim não poder segurar nas mãos que me sustentavam já há quinze horas.
Justamente naquele momento, que estava sendo o mais difícil para mim, eu não
tinha meus apoios, eu estava sozinha. Lembro que a sala estava cheia de gente,
gente que eu nunca vi na vida e ninguém conseguia ser acolhedor. Isso de fato é horrível. A gente explica nos
cursos de casais mas ali, de novo, era eu vivendo a influência do ambiente no processo de parto.
Que lástima termos que nos contentar com uma estrutura tão precária em relação
ao que nós precisamos além das máquinas.
Enfim, aquilo não seria suficiente para me abalar e se era
aquilo que eu tinha, paciência. Uma enfermeira ficava pra lá e pra cá em cima
de mim, de um braço para o outro, falando que eu não podia me mexer, que..... Então
veio uma contração e eu catei ela, segurei bem forte em seus ombros, olhei bem
firme e comecei a fazer os sons que uma mulher com puxo, sentada, sem poder se
mexer, faz. Acho que a cena deveria
estar hilária! A mulher deve ter ficado desorientada. Eu olhava para ela e não
encontrava nada, mas precisava olhar para alguém. Ela ficou em silêncio (o que
foi ótimo!) e esperou a contração passar...... kkkkkkk!
Em nenhum momento eu senti medo, nem mesmo fiquei nervosa ou
angustiada. Aquele cenário era conhecido para mim e eu não estava esperando
mais, aliás o anestesista já havia me surpreendido positivamente e eu já estava
super feliz, me considerando no lucro! Então ele falou “pronto, agora você vai
começar a sentir que vai aliviar”.
Uaaauuuu!!! Realmente aliviou!!!! Meu povo entrou na sala
(Márico, Adelita e Álvaro) e a galera foi saindo. Ai que bom! Sentir um pouco
de alívio nas dores não foi ruim, mas o parto tinha perdido seu sabor. Eu não
sei explicar, mas o parto havia deixado meu corpo. Agora eu sabia o que tinha
que fazer, mas não sentia tudo aquilo que ..... nossa, não tem como explicar!
Acho que é como você estar transando bem gostoso e de repente alguém entra e
acende a luz, ou seja: “ACABOU A FESTA”!
Sei que muitas mulheres estão torcendo o nariz e muito
médicos ficarão ofendidos com esta minha colocação, mas para mim foi assim. E a
festa dos meus hormônios em meu corpo de fato tinha acabado! Sou muito grata ao
anestesista que me atendeu e aos médicos que descobriram este recurso, eu
precisei e usei, mas que tira o sabor do parto tira, OK!
O Álvaro nos deixou um pouco sozinhos na sala para ver se o
bebê girava sozinho agora que minha “região” estava relaxada. A Adelita e o
Márcio me ajudaram o tempo todo e por isso eu conseguia acocorar, ajoelhar,
ficar de quatro..... não paramos! Eu me movimentei o tempo todo. Não sei quanto
tempo se passou e o Álvaro veio para examinar, o bebê estava na mesma posição,
não havia girado nada, mas estava bem, não tinha mais feito desacelerações.
Então ele decidiu ajudar com uma manobra com os dedos e durante as contrações
eu fazia bastante força e ele tentava girar a cabecinha do bebê. Tentou, tentou
e nada.... bebezinho na mesma posição. Batimentos bem, eu bem, então ele saiu
da sala de novo para nos deixar mais um pouco e nós continuamos o “trabalho”.
As enfermeiras não ficavam entrando na sala e isso foi muito
bom! Pudemos ficar ali à vontade, seguindo o ritmo das contrações e esperando
para ver se o Lucas girava para nascer. Hoje vejo o quanto foi importante para
mim ficar aquele tempo ali antes de qualquer intervenção mais invasiva.
Confesso que quando fui para o hospital achei que já ia chegar e o médico
usaria o fórceps e vamos logo acabar com isso! Mas o Álvaro foi paciente e isso
foi muito importante para eu ir assimilando o que estava acontecendo. Fomos
progressivamente usando os recursos que tínhamos e eu tive tempo de ir entendendo
tudo. Não falo de um entendimento racional, mas sim de uma vivência do corpo.
“Doutor Álvaro, mais uma vez você foi muito assertivo!”
O tempo foi passando e eu não tinha a menor noção dele, mas
em dado momento meu marido começou a ficar angustiado. Parecia que as coisas
não saíam do lugar e ele começou a ficar nervoso, querendo que a Adelita
chamasse o Álvaro logo. Lembro que eu falei ‘calma amor, se o Álvaro nos deixou
aqui é porque isso é o melhor para o bebê. Quanto mais tempo pudermos esperar
melhor para o Lucas tentar nascer sem maiores intervenções’. Só mesmo
anestesiada para conseguir ter esta postura de doula, kkkkkkk.
O fato é que o efeito da anestesia começou a passar e o
quadro não havia mudado em nada desde que entramos no hospital. O Lucas não
estava respondendo aos meus movimentos de quadril nem às manobras manuais do
médico. Era hora de começar a intervir um pouco mais. A decisão foi usar o
vácuo extrator para o bebê girar, assim não precisaríamos do fórceps.
Precisei que o anestesista me desse uma nova dose pois o
efeito da anestesia já estava passando. E o MONTE DE GENTE começou a entrar de
novo. Eu não lembro bem, mas a sensação que eu tinha era de que a sala estava
lotada, tinha muitas pessoas de máscara e touca que eu não conhecia e não sabia
para que estavam ali, aquilo é muito invasivo, é constrangedor! “A BOLHA INÊS,
VAI PARA BOLHA!” É mesmo! Agora, na minha bolha estávamos eu, o Márcio, a
Adelita e o Álvaro.
Agora estava muito perto do meu filho nascer, e eu já queria
muito conhece-lo. Falei para o Álvaro, na verdade só para lembrar, que eu não
queria episio (óbvio! E quem não sabe o que é isso procura no google:
episiotomia). E ele respondeu, “eu não vou fazer”! Então ele posicionou o vácuo
e quando vinha uma contração de puxo eu aproveitava para fazer muita força e
ele puxava com o vácuo. Eu não sentia dor alguma, mas sentia todo o meu corpo
escorregar para frente na cama. O puxo do vácuo é muito forte e eu me deslocava
por completo. Quando a contração terminava parávamos tudo e esperávamos a
próxima. Fizemos isso várias vezes, segundo a Adelita foram oito tentativas. A
contração vinha, eu ajudava fazendo bastante força e o Álvaro puxava, mas o
Lucas não respondia à manobra, ele não girava.
Uma leve tensão parecia começar entrar na minha bolha. Por
que ele não girava? Aquilo era muito forte, todo meu corpo se deslocava e ele
não respondia..... “Por que ele não gira, por que ele não nasce?”, eu pensei e
então senti um tofe. “Nossa, será que
é a cabecinha dele?”, mas foi muito estranho e ninguém estava com cara de
bebezinho nascendo.... Então perguntei para a Adelita “ele está nascendo?”. “Não”,
ela disse, “foi só porque o vácuo escapou da mão do Álvaro”.
“O que???? Como assim???” A cara dela não estava tão
tranquila e o Márcio estava chorando. O Álvaro não me olhava. O que estava
acontecendo? “Filho, cadê você???? Vem meu amor, vem!!!” A tensão entrou na bolha e pela primeira vez
eu senti medo.” Que droga que esse bebê não gira”, eu pensei.
Então eu vejo a enfermeira entregar o fórceps para o Álvaro
e ele fala assim “eu vou fazer uma epsio”. “Tá bom”, saiu da minha boca e tá
bom mesmo, eu quero meu filho, porque ele não vem logo? Meu Deus, o que está
acontecendo??? Eu comecei a pedir ajuda e amparo para Deus, que ajudasse meu
bebê a nascer, que iluminasse o médico que nos assistia.
E então foi muito rápido depois que ele usou o fórceps. Com
uma contração saiu a cabeça, lembro do Márcio dizer “Aí amor, aí, ele está
nascendo” e na segunda contração ele veio todinho.
UAUUUUUUUUUUUUUUUU, eu vi o Álvaro pegando ele, “como é
grande” eu pensei!!!!
Meu bebezão, meu filho, meu amor!
Ainda tem muitas emoções e revelações!
Continuamos na PARTE 3.
Continuamos na PARTE 3.
Eu corri aqui, no meio do meu expediente, louuuuuca pra ler a continuação ! Ai Ines, obrigada por achar um tempo pra dividir isso conosco. Que lindo ! Que força ! Inveja me define ! hahahahaha
ResponderExcluirE que obstetra né ! Esse realmente merece esse título.
Acha um tempinho pra terminar e eu paro de te perseguir por e-mail ! hahahaha
Obrigada ! Obrigada !
q lindo compartilhar conosco! foi exatamente como o parto do Taiguara, te conto ao vivo qquer dia! saudades da familia toda e precisamos conhecer o Lucas! vamos combinar! gde ab e Deus os ab!
ResponderExcluirSeu filho realmente precisava muito de ajuda. Que bom que a medicina existe. pelo bem ou pelo mal, ela existe. E isso salvou seu filho.
ResponderExcluircade a PARTE 3???? rs
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