segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Ter filho não é pra todo mundo

Vamos ser francos: quem realmente tem capacidade para se dedicar a uma criança como deveria. Faça a análise antes de ter uma.

Por José Martins Filho, texto original no site Revista Galileu, link:
http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI236755-17774,00.html#.UmUPDSQOVME.facebook

Será que todos os seres humanos precisam ser pais? Não sei. Cuidar bem de uma criança, além de ser de sumária importância, dá um trabalho danado. Crianças choram à noite, nem sempre dormem bem, precisam de cuidados especiais, de limpeza, de banho, alimentação, ser educadas e acompanhadas até a idade adulta. E, principalmente: crianças precisam da presença dos pais, sobretudo as menores, que requerem a mãe na maior parte de seu tempo. Não é dando dois beijinhos pela manhã antes de ir para a creche, ou colocando a criança para dormir à noite, que será possível transmitir segurança, afeto e tranquilidade. Escuto muito a seguinte frase: “Doutor, o que interessa é a qualidade do tempo junto e não a quantidade”. Duvido. Diga ao seu chefe que você vai trabalhar apenas meia hora por dia, mas com muita qualidade. Certamente ele não vai gostar. Seu filho também não.

Sejamos sinceros, nem todo mundo está disposto a arcar com esse ônus. Talvez seja melhor adiar um projeto de maternidade, e mesmo abrir mão dessa possibilidade, do que ter um filho ao qual não se pode dar atenção, carinho e presença constante. Lembre-se que é preciso dedicar um tempo razoável: brincar junto, fazer os deveres de casa, educar, colocar limites.

Como fazer tudo isso e ainda continuar no mercado de trabalho? Usando seu horário de almoço para comer junto com seu filho. Fazendo visitas na creche durante o dia. Passeando no final de semana, em atividades em que a criança seja prioridade, como praia, parques, jogos em conjunto. Por favor, isso não inclui shopping center.

Sou obrigado a fazer todas essas coisas? Claro que não. Mas ser pai e ser mãe também não é uma obrigação, sobretudo nos dias de hoje em que a vida oferece infinitas possibilidades. Trata-se de uma escolha. E, como toda escolha, pressupõe que você abra mão de outras tantas. O que se propõe? A volta da mulher à condição de dona de casa? Também não. O que se propõe é a conscientização da paternidade e maternidade. A infância determina a vida de todos nós. Ela é fundamental para a existência humana. Na esfera psíquica, os primeiros dois anos significam a base da construção de uma personalidade saudável. A violência, a agressividade, a falta de ética, a amoralidade dos tempos modernos não são apenas fruto de dificuldades econômicas e sociais, mas da falta de amor, educação, limites.

Com a vida moderna, as crianças passaram a ocupar um papel secundário ou terciário na vida familiar. Lembre-se de que o futuro da humanidade vai depender dessas crianças que, provavelmente, chegarão aos 100 anos de idade. Fico triste quando, no consultório, a mãe não pode estar presente, ou o pai. E nem mesmo a avó: apenas a babá.

Deveríamos fazer uma análise tranquila antes da maternidade ou da paternidade. Queremos mesmo mudar nossa vida? Vamos ter condições de participar intensamente da vida desse novo ser? Se lograrmos essa consciência, tenho certeza de que o mundo irá melhorar. 

José Martins Filho é médico pediatra, autor do livro A Criança Terceirizada, professor e pesquisador do Centro de Investigação em Pediatria

E para complementar, assista ao vídeo de José Martins Filho falando sobre A Criança Terceirizada:

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Por mim, por você e principalmente por nossas filhas e netas


Texto de Gisele Leal, autora do site Mulheres Empoderadas.  Link do post original: 
No próximo final de semana, dezenas de cidades Brasileiras sairão às ruas e praças numa festa coletiva e social pela Humanização do Parto e Nascimento.
E eu vou estar lá. Por mim, por você e principalmente por nossas filhas, noras e netas. Por nossas irmãs. Por nossas amigas. Por  toda mulher e bebê deste país.
Sim, é um discurso emocionado mas não é demagógico. É real e vivo. Corre nas veias. Corta e sangra quando sabemos de uma mulher, semi anônima, que nem conhecemos pessoalmente, mas que sofreu violência obstétrica.
É porque acreditamos que o nascimento deve ser o mais marcante dos momentos de um ser humano. E é por acreditar  que tanto a mulher (que nasce mãe) quanto o bebê que estréia na vida fora da barriga, merecem e tem o direito de serem os protagonistas de uma história que começa ali – no parto.
Portanto, junte-se a nós. Seremos milhares Brasil a fora. Humanização é direito! Não é favor! Já diz a Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde! Não é invenção de ativista xiita e radical. É prática em países de primeiro mundo.
Se sua cidade  não está na lista abaixo, você mesma pode AGORA chamar uma marcha! É simples! Siga essas dicas que montamos no grupo de coordenadoras do Facebook:
1) Você precisa de algumas pessoas dispostas a ser a voz das mulheres e responder pelo movimento nacional e na sua cidade. Que tenham compreendido bem o assunto, falem bem, com segurança, pois provavelmente serão entrevistadas. Tem que ter o nome, fb, telefone e email dessas pessoas
2) Faça contato com a coordenadora local de alguma das marchas e peça pra ela te adicionar ao grupo nacional das coordenadoras. Se for uma coordenadora amiga sua fica mais fácil.
3) Informar o grupo nacional os dados de local horário e contato com imprensa pra incluir no release nacional.
4) Combine uma reunião (para ontem) com todos possíveis interessados em participar. Faça uma pauta com um check list dos itens a serem providenciados para acontecer o evento e para designar funções.
5) Crie um evento no facebook. Personalize a foto do perfil e a capa do evento com as artes disponibilizadas por todos.
6) Reunir o máximo de apoios de entidades e reunir esses nomes num documento armazenado na “nuvem” – criar uma planilha no googledocs e ir atualizando. Quem responde pela entidade tem que constar (com contatos). E alguém tem que se encarregar de atualizar esse documento. Nome, email, fb e telefone.
7) Se forem pedir doações, vakinhas, etc, tem que ter alguém responsável por receber doações para financiar os gastos e registrar tudo que for gasto, peçam recibo, para que possa ser ressarcido, se houver caixa.
Os cartazes da marcha anterior podem ser reaproveitados, mas outros podem ser feitos. Tem que ter gente disposta a confeccionar o maior número de cartazes para usar na hora. As faixas devem ser levadas!
9) Eleger alguém para cuidar da autorização da Prefeitura. Alguém precisa cuidar disso, garantir que estará tudo certo para o dia. Ligar pra lá, preencher o formulário, com antecedência
10) Eleger alguém para cuidar da confecção e venda das camisetas
11) Ter um membro para cuidar da assessoria de imprensa
12) estabelecer se será um manifesto informativo (entrega de panfletos para as pessoas em um local específico por exemplo), um manifesto para chamar atenção (passeata) ou um manifesto de reivindicação (entregar uma reivindicação por escrito – pode ter um abaixo assinado junto – a alguma entidade por exemplo)
13) Pilhar o grupo do evento com informações, artes, chamar o pessoal. Lembre-se: apenas uma parte das pessoas que confirmam presença comparecem!! Então quanto mais pessoas confirmarem, maior a chance de vc ter um evento cheio.
Atos já confirmados em 22 cidades!!!! Você não pode ficar de fora! Se sua cidade já tem um evento, participe! Se não tem, crie um evento e vá pra rua você também!

Se você ainda não sabe se irá se manifestar, assista ao vídeo e venha conosco!!!!


sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Quando a medicina adentra a tenda vermelha - parte 2

Eu estava indo para o mesmo hospital no qual minha filha nascera há quatro anos por uma cesárea totalmente desnecessária, e apesar desta coincidência, a situação não se repetia. Eu era outra mulher, muito mais consciente e informada do que aquela de quatro anos atrás. Eu sabia o que estava fazendo, sabia para ‘onde’ estava indo e o que me esperava lá!

Chegamos ao pronto socorro do Hospital Santa Cruz e eu estava na fase de expulsivo já havia três horas! As contrações de puxo vinham com frequência e a única coisa que me aliviava era seguir o fluxo da força. Assim que entramos no pronto socorro veio uma contração e eu segui fazendo a força, o som, agachando, enfim, tudo aquilo que vinha fazendo em casa para lidar com todas aquelas sensações. Mas de relance eu olhei para a recepção do hospital e todos me observavam. Não sei exatamente com cara de que me olhavam porque imediatamente, ao me perceber sendo observada, eu pensei “entra na bolha”.

A “bolha” é uma imagem que usamos para explicar para as mulheres como elas podem evitar que as interferências do ambiente hospitalar afetem seu processo de parto. Entrar na bolha, se concentrar em si mesma e deixar o resto pra lá. Ali era eu tendo que fazer o que tantas vezes expliquei!

Então no final de um corredor, na parte da obstetrícia, apareceu o Dr. Álvaro e fez sinal para irmos até ele. Nooooooossa, eu nem acreditava que estava vendo aquele homem. Confesso que me deu um alívio. Eu não teria que ficar dando explicações, me justificando ou me defendendo. Ele sabia de tudo e apoiava minhas escolhas. Ele não me trataria como louca, irresponsável, egoísta ou qualquer coisa neste sentido.

Ao vê-lo eu lembrei da nossa primeira consulta de pré-natal. Eu já estava com seis meses, e foi quando decidi que gostaria que ele fosse o médico a me dar suporte se eu precisasse. Então em seu consultório, após conversarmos, ele falou assim “eu posso sim ser seu médico, mas é preciso que você saiba que se você precisar de mim as coisas já não estarão tão naturais”. Não me lembro exatamente das palavras, mas a mensagem era “eu vou precisar intervir”. Sim, ok! Mas eu sabia que ele faria isso com respeito e aqui eu quero fazer uma pausa no meu relato para contar como eu decidi que o Álvaro seria meu médico.

Durante minha caminhada como doula eu consegui um estágio voluntário em uma maternidade pública aqui de Curitiba, a Maternidade Vitor Ferreira do Amaral. Foi apenas uma semana, mas uma semana em que eu vi muita coisa e uma das coisas mais lindas que eu vi, foi o Dr. Álvaro atendendo ao parto de uma menina de catorze anos. Naquele dia havia muitas mulheres em trabalho de parto. Todas as camas estavam ocupadas e aquela menina estava com sua mãe. Ela passou seu trabalhando de parto inteiro segurando na mão da mãe, chorando bem baixinho, parecia um bichinho acuado. Ela dizia para a mãe dela que iria morrer, que doía de mais. Então esta menina, que estava vivendo este rito de passagem que é o parto, estava com o bebê coroando e o Álvaro veio atendê-la. Aí ela começou a gritar – TOTALMENTE NORMAL! Ela tinha apenas catorze anos e sua vida iria mudar radicalmente a partir daquele momento. Então uma outra médica que também atendia naquele dia e que estava fazendo uma sutura no leito ao lado, se levantou e veio até a menina dizendo para ela não gritar daquela forma pois isso não ajudaria o bebê. O Álvaro gentilmente disse à médica que se concentrasse na sua paciente, que ele estava cuidando da menina e a “autorizou” a gritar se assim quisesse. EU ACHEI AQUILO O MÁXIMO! E então o parto aconteceu, com muito respeito, muita delicadeza, bem suave, e aquela menina se tornou mãe através de um momento tão bonito. Depois eu fui vê-la na sala de recuperação, e ela estava radiante! Sentada na maca, dando de mama para seu bebezinho. Ela era só sorriso! Eu perguntei o que ela havia achado do parto, e ela, que não parecei mais uma menininha, disse que havia sido ótimo, e que o doutor foi maravilhoso. Então ali eu percebi que aquele médico não tinha apenas o conhecimento e o domínio das técnicas da obstetrícia (o que deveria ser básico para todos os profissionais, mas não é), ele também tinha respeito pela mulher e pelo bebê que estavam diante dele. Aquele nascimento me marcou muito. "Dr. Álvaro, você fez muita diferença na vida daquela menina/mãe, na minha vida e tenho certeza que na de tantas outras mulheres!"

Voltando ao meu parto...
Não tenho fotos de quando fui para o hospital.
Usei o cartaz do filme pois todo parto bem vivido
 é um renascimento, e eu tive esta graça! 



Enfim, me sentir acolhida e respeitada pelo médico que me atendia foi muito, muito bom. Eu não estava preocupada com nada, confiava em todos que estavam comigo. Eu podia só me concentrar no meu parto e isso foi fundamental.  

Lembro de ver a Adelita conversando com o Álvaro, passando as informações para ele enquanto meu marido ficava comigo e minha mãe cuidava da internação.  Então o Álvaro me examinou ainda no PA e o Lucas teve mais uma desaceleração dos batimentos. Quando ele finalizou o exame disse para a enfermeira que já podia subir comigo para a sala de parto e que ele iria avisar o anestesista.

“Anestesista? Como assim? Mas eu não quero tomar anestesia....” Não lembro exatamente as palavras que usei, mas o fato é que quando eu fui para o hospital eu não pensei em anestesia.... Eu não queria anestesia, eu queria sentir meu filho nascer, não queria estar anestesiada!

Então o Álvaro me olhou, sem grande alteração ou surpresa e disse: “eu preciso que você esteja relaxada porque vou precisar manipular a região”.

Ele poderia ter dito várias coisas e de várias maneiras par que eu me sentisse amedrontada, incapaz, assustada, mas ele foi muito assertivo. Deixou a decisão comigo, sem pressionar ou forçar nada, ele simplesmente foi sincero. Aquilo foi ótimo e de fato seria impossível ficar “relaxada”. Eu podia fazer força, caminhar, me mover, respirar, vocalizar, mas ficar deitada em uma cama e relaxar enquanto ele manipulava a “região” (esta palavra eu trocaria, doutor!)  eu não conseguiria.

Confesso que aquele foi o momento mais difícil do meu parto, mais difícil do que ter que ir para o hospital. Acho que por breves segundos eu fiquei pensando e minha ficha foi caindo.... Sim, eu precisava daquela anestesia.

“Tudo bem”, acho que foi o que consegui dizer e então fomos caminhando junto com a enfermeira para o centro obstétrico. A todo o momento eu tinha que me lembrar da bolha. Meu olhar não podia cruzar com o de ninguém que não fosse o Márcio, a Adelita e o Álvaro. Eu não queria ter que me defrontar com a reprovação das pessoas a aquela altura do campeonato, então fiz muita questão de só prestar atenção em mim, nada mais me importava.

Entrar no vestiário, colocar a camisola, ver tantas pessoas, escutar vozes perguntando o que “era aquilo” (no caso, eu parindo!), ir para a sala de parto e esperar pelo anestesista. Pobre anestesista! Eu nem sabia quem ele era e já não gostava dele.... tenho vivências muito ruins com anestesistas enquanto doula, então confesso que estava apreensiva.

Então entra na sala o médico anestesista. Não me lembro do rosto dele, se o ver na rua não o reconheceria, mas ele foi incrivelmente gentil e delicado comigo. Ele não entrou na sala com aquela capa de super-herói que os anestesistas costumam usar e falando a clássica “eu vou te tirar deste sofrimento”! Não, ele não foi assim, chegou inclusive a me elogiar! Ufa! Não precisei me defender e ainda saí valorizada, aquilo foi muito bom!!! Será que eles têm noção da diferença que podem fazer em nossa história?

Bem, no momento da anestesia os “acompanhantes da parturiente” precisam sair da sala. Eu já sabia disso e OK. São breves minutos, mas ficar sem uma referência, sem um rosto amigo, sem um olhar acolhedor naquele momento, mesmo que por um minuto é terrível. Foi muito, muito, muito, muito ruim não poder segurar nas mãos que me sustentavam já há quinze horas. Justamente naquele momento, que estava sendo o mais difícil para mim, eu não tinha meus apoios, eu estava sozinha. Lembro que a sala estava cheia de gente, gente que eu nunca vi na vida e ninguém conseguia ser acolhedor.  Isso de fato é horrível. A gente explica nos cursos de casais mas ali, de novo, era eu vivendo  a influência do ambiente no processo de parto. Que lástima termos que nos contentar com uma estrutura tão precária em relação ao que nós precisamos além das máquinas.

Enfim, aquilo não seria suficiente para me abalar e se era aquilo que eu tinha, paciência. Uma enfermeira ficava pra lá e pra cá em cima de mim, de um braço para o outro, falando que eu não podia me mexer, que..... Então veio uma contração e eu catei ela, segurei bem forte em seus ombros, olhei bem firme e comecei a fazer os sons que uma mulher com puxo, sentada, sem poder se mexer, faz.  Acho que a cena deveria estar hilária! A mulher deve ter ficado desorientada. Eu olhava para ela e não encontrava nada, mas precisava olhar para alguém. Ela ficou em silêncio (o que foi ótimo!) e esperou a contração passar...... kkkkkkk!

Em nenhum momento eu senti medo, nem mesmo fiquei nervosa ou angustiada. Aquele cenário era conhecido para mim e eu não estava esperando mais, aliás o anestesista já havia me surpreendido positivamente e eu já estava super feliz, me considerando no lucro! Então ele falou “pronto, agora você vai começar a sentir que vai aliviar”.

Uaaauuuu!!! Realmente aliviou!!!! Meu povo entrou na sala (Márico, Adelita e Álvaro) e a galera foi saindo. Ai que bom! Sentir um pouco de alívio nas dores não foi ruim, mas o parto tinha perdido seu sabor. Eu não sei explicar, mas o parto havia deixado meu corpo. Agora eu sabia o que tinha que fazer, mas não sentia tudo aquilo que ..... nossa, não tem como explicar! Acho que é como você estar transando bem gostoso e de repente alguém entra e acende a luz, ou seja: “ACABOU A FESTA”!

Sei que muitas mulheres estão torcendo o nariz e muito médicos ficarão ofendidos com esta minha colocação, mas para mim foi assim. E a festa dos meus hormônios em meu corpo de fato tinha acabado! Sou muito grata ao anestesista que me atendeu e aos médicos que descobriram este recurso, eu precisei e usei, mas que tira o sabor do parto tira, OK!

O Álvaro nos deixou um pouco sozinhos na sala para ver se o bebê girava sozinho agora que minha “região” estava relaxada. A Adelita e o Márcio me ajudaram o tempo todo e por isso eu conseguia acocorar, ajoelhar, ficar de quatro..... não paramos! Eu me movimentei o tempo todo. Não sei quanto tempo se passou e o Álvaro veio para examinar, o bebê estava na mesma posição, não havia girado nada, mas estava bem, não tinha mais feito desacelerações. Então ele decidiu ajudar com uma manobra com os dedos e durante as contrações eu fazia bastante força e ele tentava girar a cabecinha do bebê. Tentou, tentou e nada.... bebezinho na mesma posição. Batimentos bem, eu bem, então ele saiu da sala de novo para nos deixar mais um pouco e nós continuamos o “trabalho”.

As enfermeiras não ficavam entrando na sala e isso foi muito bom! Pudemos ficar ali à vontade, seguindo o ritmo das contrações e esperando para ver se o Lucas girava para nascer. Hoje vejo o quanto foi importante para mim ficar aquele tempo ali antes de qualquer intervenção mais invasiva. Confesso que quando fui para o hospital achei que já ia chegar e o médico usaria o fórceps e vamos logo acabar com isso! Mas o Álvaro foi paciente e isso foi muito importante para eu ir assimilando o que estava acontecendo. Fomos progressivamente usando os recursos que tínhamos e eu tive tempo de ir entendendo tudo. Não falo de um entendimento racional, mas sim de uma vivência do corpo. “Doutor Álvaro, mais uma vez você foi muito assertivo!”

O tempo foi passando e eu não tinha a menor noção dele, mas em dado momento meu marido começou a ficar angustiado. Parecia que as coisas não saíam do lugar e ele começou a ficar nervoso, querendo que a Adelita chamasse o Álvaro logo. Lembro que eu falei ‘calma amor, se o Álvaro nos deixou aqui é porque isso é o melhor para o bebê. Quanto mais tempo pudermos esperar melhor para o Lucas tentar nascer sem maiores intervenções’. Só mesmo anestesiada para conseguir ter esta postura de doula, kkkkkkk.

O fato é que o efeito da anestesia começou a passar e o quadro não havia mudado em nada desde que entramos no hospital. O Lucas não estava respondendo aos meus movimentos de quadril nem às manobras manuais do médico. Era hora de começar a intervir um pouco mais. A decisão foi usar o vácuo extrator para o bebê girar, assim não precisaríamos do fórceps.

Precisei que o anestesista me desse uma nova dose pois o efeito da anestesia já estava passando. E o MONTE DE GENTE começou a entrar de novo. Eu não lembro bem, mas a sensação que eu tinha era de que a sala estava lotada, tinha muitas pessoas de máscara e touca que eu não conhecia e não sabia para que estavam ali, aquilo é muito invasivo, é constrangedor! “A BOLHA INÊS, VAI PARA BOLHA!” É mesmo! Agora, na minha bolha estávamos eu, o Márcio, a Adelita e o Álvaro.

Agora estava muito perto do meu filho nascer, e eu já queria muito conhece-lo. Falei para o Álvaro, na verdade só para lembrar, que eu não queria episio (óbvio! E quem não sabe o que é isso procura no google: episiotomia). E ele respondeu, “eu não vou fazer”! Então ele posicionou o vácuo e quando vinha uma contração de puxo eu aproveitava para fazer muita força e ele puxava com o vácuo. Eu não sentia dor alguma, mas sentia todo o meu corpo escorregar para frente na cama. O puxo do vácuo é muito forte e eu me deslocava por completo. Quando a contração terminava parávamos tudo e esperávamos a próxima. Fizemos isso várias vezes, segundo a Adelita foram oito tentativas. A contração vinha, eu ajudava fazendo bastante força e o Álvaro puxava, mas o Lucas não respondia à manobra, ele não girava.

Uma leve tensão parecia começar entrar na minha bolha. Por que ele não girava? Aquilo era muito forte, todo meu corpo se deslocava e ele não respondia..... “Por que ele não gira, por que ele não nasce?”, eu pensei e então senti um tofe. “Nossa, será que é a cabecinha dele?”, mas foi muito estranho e ninguém estava com cara de bebezinho nascendo.... Então perguntei para a Adelita “ele está nascendo?”. “Não”, ela disse, “foi só porque o vácuo escapou da mão do Álvaro”.

“O que???? Como assim???” A cara dela não estava tão tranquila e o Márcio estava chorando. O Álvaro não me olhava. O que estava acontecendo? “Filho, cadê você???? Vem meu amor, vem!!!”  A tensão entrou na bolha e pela primeira vez eu senti medo.” Que droga que esse bebê não gira”, eu pensei.

Então eu vejo a enfermeira entregar o fórceps para o Álvaro e ele fala assim “eu vou fazer uma epsio”. “Tá bom”, saiu da minha boca e tá bom mesmo, eu quero meu filho, porque ele não vem logo? Meu Deus, o que está acontecendo??? Eu comecei a pedir ajuda e amparo para Deus, que ajudasse meu bebê a nascer, que iluminasse o médico que nos assistia.

E então foi muito rápido depois que ele usou o fórceps. Com uma contração saiu a cabeça, lembro do Márcio dizer “Aí amor, aí, ele está nascendo” e na segunda contração ele veio todinho.

UAUUUUUUUUUUUUUUUU, eu vi o Álvaro pegando ele, “como é grande” eu pensei!!!!

Meu bebezão, meu filho, meu amor!


Ainda tem muitas emoções e revelações!
Continuamos na PARTE 3.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Quando a medicina adentra a Tenda Vermelha - um breve relato sobre o nascimento de meu segundo filho*

*ainda que longo, este relato é muito breve, pois palavras serão sempre insuficientes para descrever o que uma mulher sente ao parir um filho

PARTE 1

Não me lembro exatamente quando eu ouvi falar pela primeira vez sobre a Tenda Vermelha, mas foi no livro de Anita Diamant, cujo título é ‘A Tenda Vermelha’, que eu pude realmente conhecer e me encantar com este lugar.


Um misto de magia e técnica fazia parte deste local que já acolheu a todas nós, mulheres, em uma época anterior a Jesus. Nesta época, em que vivíamos em tendas, a Tenda Vermelha era exclusivamente feminina. Era onde as mulheres se recolhiam a cada Lua Nova para menstruar, e ali passavam de três a quatro dias, repousando, cantando, contando histórias e cuidando umas das outras. Também era na Tenda Vermelha que as mulheres iam parir seus bebês, e como a protagonista da história contada por Anita Diamant se torna uma parteira, o livro é recheado de relatos de partos. Em muitos momentos é como se subíssemos nos tijolos da parteira junto com aquelas mulheres, tamanha é a beleza desta narrativa que nos envolve completamente.

E foi assim que me apaixonei pela Tenda Vermelha, suas histórias e sua força, que nada mais retratam se não a história e força de nós próprias – mulheres.

Então passei a desejar o nascimento de meu filho Lucas neste ambiente. Não falo aqui dos aspectos físicos – a tenda, o chão de terra, os tijolos... Falo deste ambiente que nos escapa aos olhos, mas não ao coração. O cuidado, a atenção, a dedicação à vida e ao feminino, o respeito, a paciência, a sabedoria, a força, a técnica, a segurança e a confiança. Esta era a minha Tenda Vermelha, onde eu queria parir meu filho. Para que eu pudesse viver isso minhas escolhas de ter um parto domiciliar planejado e a companhia de uma doula, e ainda um médico em quem eu confiasse de backup para o caso de precisar, foram fundamentais.

Minha gestação foi saudável e então eu cheguei às 40 semanas como grande parte das gestantes – ansiosa, dores nas costas e muitas contrações de Braxton. Eu vivia aqueles dias intermináveis de final de gestação tentando me distrair e não ficar presa à ansiedade de ter meu bebê logo em meus braços.

Foi em um sábado, após ter comido tacos mexicanos e sorvete no almoço e caminhado bastante com meu marido à noite, que meu trabalha de parto começou. Estávamos em casa, nossa filha já havia adormecido e eu pedi a ele que fizéssemos alguns exercícios de yoga e que ele me fizesse uma massagem. Então montei nosso tapete no chão, cobri com um edredom bem fofinho e cheiroso, coloquei uma música tranquila e nos alongamos, respiramos, nos massageamos e nos beijamos.

Após nos beijarmos senti uma contração muito forte. Sabia que era uma contração, mas pensei que era apenas uma resposta ao ‘exagero’ daquele dia. Foi muito forte e dolorida e demorou a passar. “Está chegando” eu pensei toda feliz!

Mas aquela não foi uma contração isolada como eu havia pensado, meu trabalho de parto de fato começara. Parecia, porém, que alguma coisa estava errada, pois estava tudo forte e intenso demais. As contrações começaram já com 5 minutos de intervalo e 1 minuto de duração em média. Por um momento eu pensei “esse bebê vai nascer logo.....”

Pedi a meu marido que ligasse para uma das parteiras e então eu falei com ela. Avisei que o trabalho de parto havia começado. Fiz o mesmo com a Talia, minha doula e amiga ou amiga e doula.

Tudo acontecia muito intensamente e subitamente eu fui arrebatada por uma grande necessidade de me concentrar. Tudo aquilo era forte e repentino de mais. Nada do que havia me programado para fazer quando ‘começasse’ foi possível: aromatizar o ambiente, fazer uma refeição leve, descansar, tomar um banho, arrumar o quarto, trocar a roupa de cama..... A dor era incrivelmente forte. Sim, o nome daquilo que eu sentia era realmente DOR e em uma potência que eu desconhecia até então.

Eu buscava em mim referências de algo que pudesse me ajudar e aliviar: posturas com o tronco inclinado para frente, rotação de quadril, abertura do maxilar, respirações com som....mas nada parecia conseguir chegar naquela sensação dolorosa que parecia estar tão profundamente inacessível.

Meu cérebro me dizia que aquilo não tinha lógica. Onde estavam as fases do trabalho de parto? E os intervalos entre as contrações para refazimento da mulher? Então pedi ao meu marido que ligasse para as meninas e dissesse para elas virem. Eu não queria mais estar sozinha, estava um pouco assustada. Ele ligou e vendo a intensidade de tudo o que eu sentia, começou a arrumar a banheira que havíamos comprado. Ahhhhh esta abençoada banheira, que eu cheguei a cogitar não comprar porque, afinal, eu iria usar toda a relação de posturas e respirações que tinha aprendido, praticado e ensinado ao longo dos últimos três anos trabalhando com gestantes... Esta banheira foi a salvação.

Tão logo meu marido terminou tudo (claro que primeiro ele inundou o banheiro e o quarto porque deixou o chuveirinho escapar para fora da banheira!) a Adelita, uma das enfermeiras, chegou. Ela me examinou e nosso caminho ainda seria longo, eu estava entre 4 e 5 cm de dilatação. Não era um parto a jato e por isso muito intenso, como eu chegara a cogitar no início. Eu me lembro de ter pensado assim “Beleza, então vamos lá... este é o meu trabalho de parto. Não é o do livro, nem o do vídeo da internet, nem o das fotos – é o meu e eu vou vive-lo”.

No nascimento da minha primeira filha, ainda que eu tivesse tido uma cesariana, meu trabalho de parto havia sido bem como o que é descrito nos gráficos e livros – fase latente e fase ativa. E eu tinha esta referência, mas aquilo que eu estava vivendo era totalmente diferente. Diferente de tudo que eu havia imaginado.


Então decidi entrar na banheira para ver se ‘aliviaria’. A banheira fez com que o trabalho de parto pudesse acontecer, sem ela eu não sei como teria sido. A imersão na água tornava a dor um pouco menos intensa, mas ainda assim não havia alívio, nem intervalo. E foi ali, dentro da água, que eu ganhei mais dois braços e duas pernas que se somaram às minhas durante todo o tempo em que meu corpo trabalhou para trazer meu filho ao mundo. Sem perguntar ou sugerir, meu marido entrou na banheira comigo e era como se ele tivesse se acoplado em mim, era como se eu não existisse sem ele. Ele se mexia junto comigo, me sustentava, me acariciava, se afastava e reaproximava sem que eu precisasse dizer nada, ou quase nada. Ele parecia entender tudo o que eu ‘não dizia’, pois para mim falar representava um esforço homérico naquele momento. Falar era como ter que percorrer um longo e escuro corredor. Era como se eu estivesse sentada bem lá no fundo deste corredor e olhasse aquela luz lá na outra ponta. Falar era ter que ir até lá e eu não queria gastar minhas forças com aquilo.

Não sei quanto tempo ficamos nesta dança, em uma sincronia perfeita! Me lembro de um momento em que ele falou que precisava fazer xixi, então pensei ‘ai, que droga!’, foi como relembrar que ele era outra pessoa e não uma extensão de mim mesma. Meu marido foi incrivelmente parceiro e homem durante o nascimento de nosso filho, e quando me lembro de tudo que passamos a palavra que me vem à mente para descrevê-lo é NOBRESA. Ele foi gentil, foi cavalheiro. Estava sempre ali, me dando o apoio que precisava.

A madrugada foi correndo e ora entrava uma, ora outra daquelas mulheres que me acompanhavam. Elas traziam água quente para colocar na banheira, traziam chá, água, suco, comida, me examinavam, me acalmavam, me deixavam .... Me lembro de um momento em que pedi a meu marido que chamasse a Talia. Eu queria reclamar, dizer que alguma coisa estava errada, que aquilo não tinha lógica de estar acontecendo. Queria chorar, gritar, questionar porque estava demorando tanto e porque tanta dor. O que eu estava fazendo de errado, o que mais tinha para ser feito.... Então a Talia entrou no banheiro e frustrou todas as minhas expectativas..... Com aquela voz melosa e aquela cara de ‘ai que felicidade’ ela disse “ooooi, tá tudo bem né?! Você está ótima, está tudo certo, tá tudo lindo! Você está fazendo tudo que precisa e está tudo evoluindo super bem”.

Não deu nem tempo de eu reclamar porque já veio outra contração! E eu me dei conta de que realmente estava tudo certo. ‘Putz’, eu pensei, ‘que merda, então é isso mesmo’. Xingar durante o trabalho de parto era algo que eu jamais imaginei que faria, pois o fiz várias vezes mentalmente. Havia momentos em que a dor era tanta, que um misto de raiva e indignação me invadiam e então eu esbravejava mentalmente enquanto soltava um longo e contínuo ‘uuuuuhhhhhhhhhhh’ ao expirar, e isso me ajudava.

Eu não sabia que horas eram nem ha quanto tempo estava ali, mas de repente minha filha entrou no banheiro. Meu marido e a Talia falaram que a mamãe era corajosa e estava ajudando o maninho a nascer. Então ela passou aquela mãozinha doce no meu rosto, sentou-se no vaso e colocou os pezinhos dentro da banheira. Meu Deus, aquilo era muito importante para mim! Minha filha, através de quem eu aprendi tanto, estava ali e demonstrava da forma como podia que era solidária a mim. Eu já não conseguia dizer quase nada e me lembro de me esforçar para sorrir pois tudo que havia imaginado dizer naquele momento não era possível.

Pela janela do banheiro eu percebi que o dia começava a chegar, mas muitas vezes minha sensação era de que eu não havia saído do lugar.... Então comecei a sentir umas contrações seguidas de vontade de fazer força. Aquilo era novo e como era bom! Era bom poder fazer algo, no caso, fazer força. E também era sinal de que meu filho estava próximo. Era muito bom saber disso!

Passado um pouco mais de tempo eu me enjoei daquela banheira. Já era dia quando saí dali, de uma hora para outra aquela água já não me atraía mais. Eu sentia muito calor e me acocorava quando vinham as contrações. A dor continuava muito forte e eu me concentrava em viver o momento sempre que meu cérebro queria começar a questionar e indagar.

Viver aquilo e não pensar sobre aquilo era o que eu tinha que fazer. Meu marido me apoiava e me sustentava, as enfermeiras monitoravam o bebê, que estava bem, a Talia estava ali para o que eu precisasse, minha filha agora já com minha mãe e minha irmã, então eu só tinha que viver aquilo que a vida me pedia. Não, não estava sendo do jeito que eu imaginava, não estava sendo como eu desejava, mas estava sendo real. Aquele era o meu trabalho de parto, era o que eu e meu bebê tínhamos para viver juntos. Não havia nada de romântico, nem de poético, eu já não estava mais tão forte, e não via nada daqueles lindos vídeos de parto com música suave que tem na internet naquilo que eu vivia. Mas em nenhum momento eu sofri. Não havia sofrimento. Havia dor, força, coragem, às vezes raiva, mas não sofrimento.

As contrações de puxo iam ficando mais e mais fortes e já podíamos sentir a cabecinha do bebê quando eu fazia força. Meu filho estava ali, tão perto de nascer. A grande hora parecia ter chegado! As meninas começaram a arrumar o quarto para a chegada do bebê - caixinha com itens de cuidados para o recém nascido, lençol limpo em baixo de mim, aquecedor. Mas as contrações vinham e iam e o bebê não chegava.

Então, em um toque, a Aline disse ‘ele está transverso’. Meu bebê havia entrado mal posicionado no canal de parto, isso é o que significa ‘ele está transverso’. ‘Tudo bem’ eu pensei, para tudo tem um jeito’. E realmente, elas trocaram algumas palavras e começaram algumas manobras para tentar girar o bebê. Naquele momento nós erámos em quatro mulheres, uma de cada lado do meu quadril e outra tentando girar o bebê com os dedos enquanto eu fazia força. Não sei quantas vezes tentamos... o bebê começou a responder, começou a girar, mas recuou e voltou para a posição original. Ele não estava respondendo à manobra, mas estava bem.

Eu sentia muito calor, era como se todo o meu corpo transpirasse o tempo todo. Eu caminhava, me acocorava, ficava de quatro, entrava no chuveiro. A dor era muito forte, era como se houvesse uma bola de canhão dentro do meu quadril. Eu me movimentava como podia, eu estava fazendo o meu melhor, todos estávamos. Elas tentaram mais e mais vezes girar o bebê, mas ele não respondia. Chegou um momento em que comecei a pensar “Algo precisa acontecer”, “Este bebê tem que nascer”. Eu me sentia já cansada e sem forças mas sabia que ainda tínhamos muita coisa para fazer e então pedi que falassem para minha irmã sair de casa com minha filha, e pedi que minha mãe viesse até onde eu estava para fazer uma prece. Minha mãe estava na minha casa mas não estava conosco, este era nosso combinado, de que ela só viria ficar perto de mim se eu pedisse. E naquele momento eu pedi.

Minha mãe, com quem aprendi minha fé e espiritualidade, era quem eu precisava naquele momento para fazer uma prece e pedir aos bons espíritos que me descem força, intuição, coragem.

Foi um momento lindo. É sempre o momento que lembro primeiro quando penso no meu parto. Eu estava dentro do box com meu marido e minha mãe ficou do lado de fora. Então ela proferiu uma linda prece e depois começou a cantar. Cantou a música que eu queria ouvir – “Quanta luz” – sem que eu precisasse pedir. Eu quase não conseguia falar e tudo o que eu conseguia pensar era que meu filho estava nascendo e que eu estava ali para viver o que fosse preciso. Eu ficava quase o tempo todo com os olhos fechados, já não falava ou ouvia ou enxergava quase nada, me sentia tão profundamente dentro de mim. Quando o silêncio se fez eu me levantei e pedi uma colher de melado. Queria algo para me dar energia, pois estava decidia a fazer tudo para meu nascer. Fui caminhando para o quarto e pensava ‘é agora’, ‘filho, está na hora, vamos nascer’.

Então eu me posicionei na cama para que a Aline fizesse um toque. Depois daquele toque, pela primeira vez durante todo o trabalho de parto eu experimentei um intervalo, uma deliciosa sensação de NADA. Não havia dor, não havia peso, não havia nada. Meu corpo ficou tão leve e eu me sentia profundamente relaxada, solta. Me lembro de ouvir a voz de minha mãe dizer ‘ela dormiu’. Mas eu não estava dormindo, eu também não estava acordada. Eu estava parindo.

De repente senti a mão da Adelita me tocar e ela chamar ‘Inês’. Então abri os olhos e ela me falou ‘a gente vai precisar ir para o hospital, o bebê expeliu mecônio e ele não está respondendo às manobras, mas ele está bem. É só usar o vácuo para corrigir a cabecinha que ele vai nascer de parto mesmo.................................................................................................’

Ela continuou falando algumas coisas sobre o bebê, sobre já ter ligado para o médico e eu simplesmente não conseguia dizer nada. Eu estava nua, toda suada, mal conseguia falar... Não sabia que horas eram, há quanto tempo eu estava ali naquele trabalho de parto. Por alguns segundos algumas cenas no livro ‘A Tenda Vermelha’ passaram pela minha cabeça. Haviam partos em que em um dado momento a parteira já não tinha mais o domínio, elas diziam que a sombra da morte havia entrado na tenda. Dali em diante havia que se contar não apenas com a técnica, o conhecimento e a força, mas também com a sorte. Bem, eu já não vivia mais naquela época. Como diz Janet Balaskas, somos mulheres abençoadas em viver em uma época na qual não precisamos dispor de nossas vidas para a chegada de nossos bebês, temos a medicina para usarmos quando a natureza precisa de ajuda!

Então olhei para o canto do quarto e vi uma calça jogada no chão. Me levantei e fui para pegar a calça, junto tinha uma camiseta e fui vestindo. Aquilo estava realmente acontecendo..... mas eu não iria fraquejar naquela hora, não iria surtar e chorar depois de tudo que já tinha vivido com meu filho, e a tristeza ou a decepção não teriam lugar em meu coração. Incrivelmente eu não estava me sentindo tão arrasada como imaginei que me sentiria se isso acontecesse. Para mim estava claro que a decisão de ir para o hospital era a melhor. Não precisava ficar explicando.... Não sei como e nem porque, mas era como se eu estivesse plenamente de acordo, era como se meu corpo soubesse e entendesse – precisamos de mais ajuda.

Mas havia um problema. O médico que eu havia escolhido para me atender caso precisasse estava de plantão no único hospital da cidade que meu plano de saúde não cobre. A Adelita ligava para o médico, que ligava para um colega para tentar substituí-lo e também ligou para o outro hospital para ver quem estava de plantão...... Mas antes que este problema pudesse entrar em mim e me ‘desconcentrar’ meu marido disse ‘a gente paga, vamos onde ele está’. Ouvir aquilo foi maravilhoso e por isso eu sou imensamente grata a este meu companheiro! Sabia que não tínhamos aquele dinheiro, mas sabia também que não tinha tanta chance de terminar aquela história bem se não fossemos ao encontro do médico. Pensar em outro médico me atender naquelas condições era horrível. Meu marido bancou a decisão de se virar para conseguir pagar o hospital e aquilo me livrou de ter que raciocinar ou decidir.

Uma paz e uma tranquilidade tomavam conta de mim. Eu estava com as pessoas certas e não sentia medo. Estava cercada de amor, cuidado e segurança. Foi muito bom não precisar me despedir da minha filha para sair de casa... foi muito bom ela já não estar mais lá. Havia lágrimas nos olhos de algumas daquelas mulheres que ficaram na minha casa enquanto eu ia para o hospital – Aline, Maria Rita e Talia. Todas sabiam o quanto eu queria viver aquele momento, o quanto eu me preparei e me planejei, mas não seria possível..... a vida me pedia algo diferente e lá fomos nós – a Adelita, minha mãe, o Márcio e eu – ao encontro da medicina.

O QUE ACONTECEU NO HOSPITAL EU AINDA VOU ESCREVER.......
É QUE É MUITA EMOÇÃO!!!!!