domingo, 28 de setembro de 2014

Paradoxo ético, calamidade espiritual: aborto em questão - um texto de Paulo Batistuta

Compartilho aqui o texto do Dr. Paulo Batistuta, médico ginecologista e obstetra, ativista da humanização do parto e nascimento, produtor do vídeo educativo 'Sagrado' e autor do livro 'Parto: uma dimensão do gozo feminino'. Este foi um dos textos que usei como base para escrever meu post "Ser contra a legalização do aborto dentro do movimento de humanização do parto e nascimento." Agradeço ao Dr. Paulo Batistuta por me servir de inspiração e por permitir que compartilhasse seu trabalho. Segue o texto:

Tamanho real de um embrião de 11 semanas.

Paradoxo ético, calamidade espiritual: aborto em questão


Paulo Batistuta Novaes
Médico obstetra/ginecologista, mestrado pela UFES
Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes/UFES
Diretor da Associação Médico Espírita do Espírito Santo






Para nós espíritas e médicos resta-nos repudiar a inciativa do Conselho Federal de Medicina - CFM que declarou apoio à interrupção da gestação até a 12ª semana. Esta posição foi votada no I Encontro Nacional dos Conselhos de Medicina no Pará (6-8/03/2013), mas não foi representativa dos 400 mil médicos brasileiros, pois ocorreu sem consulta prévia e num evento restrito a um colegiado. Portanto, reflete apenas a opinião pessoal dos conselheiros participantes do evento, que também não foram unânimes nesta decisão.

Para justificar tal atitude, o CFM alegou que o aborto é a quinta causa de mortalidade materna no Brasil e que a análise epidemiológica permite concluir que abortos realizados ilegalmente têm um forte impacto sobre a saúde pública, contudo, não cita as fontes. Em verdade, esta fala não condiz com o atual panorama epidemiológico brasileiro5. Ele também evoca o elevado número de curetagens após aborto, ligando-as a abortos provocados e a mortalidade materna.

No entanto, estas assertivas do CFM devem ser questionadas segundo o estudo de Koch e cols1 (2012) que demonstra uma superestimação em 10 vezes da RMM relaciona ao aborto clandestino no México nos últimos 20 anos. Isto porque em estudos anteriores os pesquisadores inferiram dados faltantes nos prontuários hospitalares, inclusive subjetivos, relacionados à prática do aborto. Contrariando outras publicações, verificaram um importante progresso na saúde materna mexicana com respectivo decréscimo de 36,6% na RMM entre 1990 e 2010, queda maior que na taxa de abortos provocados entre 2002 e 2008 (22,9%), afastando-a como vilã da RMM: a legalização do aborto no México ocorreu em 2007.

Outro contundente estudo avalia o declínio da RMM no Chile (KOCH e cols, 2012)2 demostrou que, após da proibição do aborto naquele (1989), houve uma redução na RMM de 41,3 para 12,7:100.000 nascidos vivos (dados do Instituto Nacional de Saúde do Chile - estatísticas vitais, 1957-2007). Nesta série de 50 anos, o declive na RMM não se alterou depois da lei do aborto, mas decorreu de iniciativas que levaram a maior utilização das facilidades do sistema de saúde chileno, mudanças no comportamento reprodutivo e melhoria nos serviços de saúde pública. Os autores enfatizam que a redução na TMM não se relaciona ao status de legalidade do aborto, pelo contrário, mesmo tendo uma das legislações menos permissivas do mundo quanto ao aborto eletivo, o Chile possui uma taxa quase nula de morte materna por aborto, desafiando o mito de que a restrição do aborto leva a milhares de mortes2.

Da mesma forma, a RMM no Brasil apresentou uma drástica redução nas últimas décadas3 mesmo sem a legalização do aborto: era aproximadamente 500:100.000 em 19784 contra 68 em 20105. Se não bastasse, apenas no período de 1990 até 2010 houve um decréscimo de 51% na RMM conforme o relatório mundial de saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS)6, evidenciando que a mortalidade materna decorrente de abortos provocados não é um caso de saúde pública como alegou o presidente do CFM7,8.
Por outro lado, curetagem uterina é procedimento corriqueiro na Obstetrícia, sendo realizada após casos de aborto, quer sejam espontâneos ou não, com a finalidade de evacuar o útero. Em geral, é realizada em abortamentos acima de 8 semanas, uma vez que nas idades gestacionais inferiores ocorre frequentemente a expulsão espontânea aborto. E Considerando que cerca de 30% das gestações terminam em perda espontânea, teremos então uma curetagem para cada dois bebês que nascem! Como no Brasil nascem cerca de 1.000.000 de bebês/ano, justifica-se a elevada incidência de 250.000 curetagens/ano sem, contudo vinculá-las obrigatoriamente à mortalidade materna, tampouco ao aborto provocado.

Outro aspecto dramático é a chance de repetição do aborto provocado, uma vez que sua legalização gera nas pessoas uma percepção de que esta atitude não é problemática e também que não há restrições repeti-la. Como exemplo, na Suécia o aborto é permitido até a 18ª semana, podendo estender-se até a 22ª como exceção. Um fato estarrecedor é que após a liberação do aborto em 1975 houve duplicação nos casos de repetição, que variou de 3-10 abortamentos pela mesma mulher9. Na Suécia 20,8% de todas as gestações são interrompidas.

Também não se pode afirmar com fundamentos técnicos que há menores riscos caso a interrupção ocorra até 12 semanas, já que este prazo poderia ser indistintamente recuado para 11 ou postergado para 13 semanas, além do que também não considera o aumento das frequentes complicações psíquicas, como a elevação do número de suicídios, de depressão, de abuso de álcool, adicção, conflitos conjugais e câncer de mama10.

Considerando motivos que justifiquem o aborto provocado, o CFM “analisa” aspectos éticos sobre os casos em que o aborto é permitido no Brasil e assevera que "são incoerentes com compromissos humanísticos e humanitários, e paradoxais perante a responsabilidade social e os tratados internacionais assinados pelo governo brasileiro"7. Mais uma vez nota-se um equívoco, pois o Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica pelo decreto 678/1992 que tem poder constitucional e que pactua “que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei, em geral desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”11.

Paradoxal é o médico assumir postura favorável à morte, pois que no período fetal há exuberante vida. Além do mais, a prática médica é norteada pelo juramento de Hipócrates, segundo o qual “A ninguém darei por comprazer nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva.” Ademais, aos espíritas é impensável uma posição diferente da absoluta defesa da vida.

Independente do posicionamento das instituições em nosso país, exerçamos cidadania e fé, posicionando-nos claramente neste iminente equívoco que se pretende e nos dediquemos a iniciativas a nosso alcance. Gestação indesejada e na adolescência, planejamento familiar, psiquismo fetal, namoro, projeto reencarnatório, dentre outros temas, devem ser estudados universalmente. Conforme exorta Emmanuel, que para se abordar as questões de sexo é importante estabelecer algumas regras, como “Não proibição, mas educação. Não indisciplina, mas controle. Não impulso livre, mas responsabilidade. Fora disso, é teorizar simplesmente, para depois aprender ou reaprender com a experiência.”12

Referências:

1 - Koch E, Aracena P, Gatica C, Bravo M, Huerta-Zepeda A e Calhoun B. Fundamental discrepancies in abortion estimates and abortion-related mortality: A reevaluation of recent studies in Mexico with special reference to the International Classification of Diseases. Intern. J Women’s Health. 2012:4 613-623) disponível em http://dovepress.com/articles.php?article_id=11688 acessado em 23/04/2013.

2 - Koch E, Thorp J, Bravo M, Gatica S, Romero CX, Aguilhera H e Ahlers I. Women’s educational Level, Maternal Health Care facilities, Abortion Legislation and Maternal Deaths: A Natural Experience in Chile from 1957 to 2007. PLoS ONE7(5): e36613. Doi:10.1371/jornal.pone.0036613 disponível em www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0036613 acessado em 23/04/2013.

3 - Rocha JA & Novaes PB. Uma reflexão após 23 anos das recomendações da Organização Mundial da Saúde para parto normal. Femina. 2010; vol 38(3):119-126.

4 - Bouvier-Colle MH. Mortalité maternelle. Encycl Méd Chir (Editions Scintifiques et Médicales Elselvier SAS, Paris, Obstétrique, 5-082-d-10, 2001, 9p.


6 – WHO, UNICEF and FNUAP. The World Health Report – Health Systems Financing: The Path to Universal Coverage. ISBN 978 92 4 068480 5 disponível em http://www.cplp.org/Default.aspx?ID=316&Action=1&NewsId=1637&M=NewsV2&PID=304 acessado em 23/04/2013.

7 – Formenti L, fabrini F e Bassete . Apoio do CFM ao aborto já enfrenta protestos antes de chegar ao Senado. J estado de São Paulo. Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,apoio-do-cfm-ao-aborto-ja-enfrenta-protestos-antes-de-chegar-ao-senado-,1011804,0.htm acessado em 23/04/2013.

8 – J O Povo on line. CFM apoia direito a aborto até 12ª semana e reabre debate no Congresso disponível em http://www.opovo.com.br/app/opovo/brasil/2013/03/22/noticiasjornalbrasil,3026533/cfm-apoia-direito-a-aborto-ate-12-semana-e-reabre-debate-no-congresso.shtml

9 – Sweden. Official Statistics of Sweden. Statistics and Medical Care: Induced abortions 2009(2010). National Board of Health and Welfare. ISBN 978-91-86585-24-2.

10 – Shah I, Ahman E. Unsafed abortion: global and regional incidence, trends, consequences and challenges. J Obstet Gynaecol Can. 2009. 31:149-1158 on line.

11 – Brasil. Decreto nº 678 de 6 de novembro de 1992 promulga a Convenção Americana sobre Direitos humanos (Pacto de São José da Costa Rica) de 22 de novembro de 1969.


12 – Emmanuel pela psicografia de Xavier FC. Vida e Sexo in Vida e Sexo. Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira. 1970. 26ed, p9-11.

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