sexta-feira, 26 de agosto de 2011

A ameaça

Esta semana a revista Veja traz um artigo intitulado “A ameaça da canção de ninar”, assinado pela psicanalista Betty Milan. O artigo é curto, simples, mas me proporcionou múltiplas análises e analogias.

A inspiração para este artigo, de acordo com Betty, veio de uma cena vista por ela na TV aberta, em que um pai (ator) embalava seu bebê e cantava a tradicional canção brasileira da cuca – “Dorme, nenê, que a cuca vem pegar / Papai foi pra roça / Mamãe foi passear”. De acordo com Betty, e na realidade isso é muito óbvio para qualquer adulto, a canção é ameaçadora, remete a criança à sensação de abandono total e ainda ao risco de ser pega por uma velha parecida com um jacaré. Algo realmente e inquestionavelmente aterrorizante.

Então a psicanalista questiona como explicar a vigência de comportamento tão assustador dos adultos em relação às crianças. Ela nos alerta de que nós, mães, pais ou qualquer outra pessoa que assuma a função de um educador, precisamos nos atentar para aquilo que dizemos. Que toda e qualquer palavra dita está compondo a formação daquela criança e tem consequências.

Este foi um dos pontos em que pude fazer um a analogia com o comportamento das mulheres em relação à assistência obstétrica que temos hoje. A relação de uma mulher grávida com o médico obstetra está baseada no medo e na ameaça (há algumas exceções, ainda bem!). É comum ouvirmos “você está colocando seu bebê em risco”, “isso pode causar danos cerebrais irreversíveis ao seu filho”, “você quer que seu filho tenha problemas?”, “assim seu bebê poderá morrer”. E é interessante como nós, mulheres, nos comportamos como crianças diante de tais ameaças. Ficamos paralisadas, aterrorizadas. Porém, é bom lembrar que já estamos grandinhas e não precisamos dormir profundamente para fugirmos deste bicho papão. Temos sempre a condição e a possibilidade de não nos deixarmos submeter pelo medo, diferentemente da criança.

Betty Millan vai além! Ela finaliza o artigo com um belíssimo parágrafo que transcrevo aqui:

“Ninguém é obrigado a procriar. A obrigação está fora de moda. Mas quem tiver filho precisa se ocupar dele durante a infância com devoção e inteligência, contrariando os hábitos, se preciso for. A vida não é fácil e, para evitar dificuldades futuras, a prevenção é sempre melhor do que o tratamento. Nós só nos esquecemos disso porque não somos educados para ser felizes, e sim para repetir o que os outros fizeram sem se questionar.”

Isso é simplesmente MARAVILHOSO! E nos dá, enquanto mães e pais, a noção de nossa responsabilidade e compromisso.

E eu, em um ousado ato de mais uma analogia, me arrisco a escrever:

“Ninguém é obrigado a ser obstetra. A obrigação está fora de moda. Mas quem o quiser precisa se ocupar das mulheres grávidas e seus partos com devoção e inteligência, contrariando os hábitos, se preciso for. O exercício desta profissão não é fácil e, para evitar complicações futuras, o natural é sempre melhor que as intervenções humanas. Nos esquecemos disso porque não somos formados para nos curvar diante da vida, e sim para repetir o que os outros fizeram sem se questionar.”

Bem, e mostrando que sempre temos opção, segue letra de uma canção de ninar que uso para embalar minha filha, adaptada de uma tradicional canção, com toques personalizados:

“Dorme, dorme, minha filha / Dorme um sono tranquilo / Dorme, dorme, minha filha / Meu anjinho encantador.

Que as bênçãos de Deus / Venham te proteger / E que os anjos do céu / Fiquem junto a você.

Já é hora de dormir / Hora de descansar / Um soninho bem gostoso / Já é hora de nanar.

Dorme, dorme, Laís / Dorme um sono tranquilo / Dorme, dorme Laís / Tenha um sonho feliz!”


2 comentários:

  1. Ines, otima reflexão!!!! Aqui em casa, o "atirei o pau no gato" virou "eu chamei o tal do gato" e essa da cuca também ganhou uma versão personalizada e muito especial! Tb histórias como a da Chapeuzinho vermelho e Os 3 Porquinhos têm suas versões Paz&Amor. Vale a pena refletir antes de repassar palavras, cantigas, histórias para os nossos filhos... sempre podemos contribuir de maneira construtiva ao invés de empurrá-los para o medo, a violência ou a culpa.

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